Medalha de ouro no Pan do Rio, em 2007, pernambucana aproveita bom momento no esporte para lutar pelo bicampeonato no México
A temporada de 2011 está sendo ímpar na carreira esportiva de Yane Marques. A principal pentatleta brasileira da atualidade participou de todas as quatro etapas da Copa do Mundo, chegando em quarto lugar para disputar a grande final, em julho, na Inglaterra, subiu no pódio em todas as três disputas que esteve presente nos Jogos Mundiais Militares, no mesmo mês, no Rio de Janeiro e, figurando há mais de um ano entre as 10 melhores do mundo, chegou a ocupar por dois meses consecutivos o terceiro lugar do ranking mundial da modalidade.
Os ótimos resultados neste ano estão sendo possíveis graças ao impulso que a pernambucana teve em sua carreira ao conquistar a inédita medalha de ouro para o Brasil nos Jogos Pan-Americanos do Rio, em 2007. Em Guadalajara, no próximo fim de semana, a temporada pode chegar ao máximo de aproveitamento com o bicampeonato pan-americano.
“Vou para o Pan em busca do meu melhor. Quero melhorar minha natação e fazer a mesma corrida que fiz agora no Mundial que, diga-se de passagem, foi massa. Se tiver o mesmo desempenho que tive no tiro também, vou ficar muito feliz. Estou sempre pensando em melhorar minhas marcas, acreditando que o resultado bom será uma consequência disso”, sinaliza.
Com a ida para o Pan de Guadalajara, a atleta do centro de treinamento da Confederação Brasileira de Pentatlo Moderno (CBPM) em Recife terá visitado sete países para competir somente neste ano. Mais do que a hegemonia nas Américas, no México, Yane compete de olho nas vagas olímpicas que estão em jogo: quatro no feminino. Vão se garantir em Londres 2012: as medalhistas de ouro e prata e as melhores sul-americana e Norceca (dos países das Américas do Norte e Central, juntos).
Assim como foi para as Olimpíadas de Pequim, em 2008, graças à conquista no Pan do Rio, pode se garantir nos Jogos da Inglaterra através de seu desempenho nas provas de esgrima, natação, hipismo e o evento combinado de tiro e corrida em Guadalajara.
Tamanho prêmio em jogo fez com que a Pan do México se tornasse a principal competição para a atleta neste ano. Por esse comprometimento, para fazer com que Yane e os demais pentatletas da delegação brasileira (Luis Magno, Priscila Oliveira e Wagner Romão) chegassem à cidade mexicana em plena forma, eles foram enviados para uma aclimatação em Colorado, nos Estados Unidos, 15 dias antes dos Jogos.
A oportunidade de se acostumar com as condições geográficas locais semelhantes à de Guadalajara não é a principal vantagem do ‘camp training’ no estado norte-americano.
“A estrutura física das instalações aqui é excepcional, a alimentação é perfeita e tudo é muito perto. Estamos também muito bem servidos na parte de fisioterapia. Será pouquíssimo tempo de translado até os treinos e isso facilita muito. A gente treina bem e tem bastante tempo para se recuperar. Dá para focar só no Pan”, destaca Yane.
Do sertão para o mundo
Yane Marques representa muito mais do que vitórias no esporte. A pentatleta é uma típica brasileira do sertão nordestino batalhadora de seus ideais. Nascida em Afogados da Ingazeira, a cerca de 380 km da capital pernambucana, teve uma infância humilde ao lado do irmão, de duas irmãs e dos pais.
Quando tinha 11 anos de idade, mudou-se com a família para Recife porque uma das irmãs tinha que prestar vestibular. Foi ali, na “Veneza Brasileira”, que deu suas primeiras investidas no esporte, até então, por diversão. O primeiro contato seria feito nas piscinas.
“Fiquei com vontade de nadar depois de acompanhar algumas aulas de futebol de meu irmão no Náutico. Foi quando pedi para que minha mãe me matriculasse na escolinha de natação do clube”, conta.
A atleta passou quase 10 anos de sua vida se dedicando exclusivamente às braçadas nas águas. Representou alguns clubes da capital e, aos poucos, foi ganhando destaque. Mais familiarizada com o nado peito, tornou-se campeã brasileira nos revezamentos 4x50m e 4x100m medley.
Mas a grande guinada em sua carreira esportiva aconteceria aos 19 anos de idade. Na época, Yane foi convidada para participar de uma competição de biatlo (corrida e natação). O seu desempenho excepcional despertou os olhares do Major Alexandre França.
Transferido para Pernambuco, o atual técnico de Yane estava garimpando talentos para a recém-criada Federação de Pentatlo Moderno do estado. Viu na pernambucana uma pentatleta em potencial.
Sem nunca ter dado um tiro, segurado uma espada ou montado um cavalo na vida, a pernambucana estranhou o convite.
“Eu tinha zero noção do que era Pentatlo, não sabia nem do que se tratava. Cheguei a achar que tinha ciclismo no meio. O pessoal comentou que era uma modalidade desconhecida e muito puxada, onde eu iria ter que treinar de manhã, à tarde e à noite. Gostei, dei continuidade e não parei mais”, revela.
Treinando inicialmente só natação e corrida, foi introduzindo aos poucos a esgrima, o hipismo e o tiro. Seu desenvolvimento foi além do esperado, chegando à liderança do ranking nacional dois anos depois. Enquanto o tempo médio mundial de formação de um atleta de ponta chega a 10 anos, Yane com pouco tempo na modalidade já colecionava títulos.
A começar pelo Campeonato Brasileiro da modalidade de 2003, conquistado no mesmo ano em que começou a praticar o Pentatlo Moderno. Daí para frente iniciou uma série de presença garantida em pódios, fazendo com que hoje seja, dentre outros, hexacampeã brasileira (2003, 2004, 2005, 2006, 2007 e 2009), pentacampeã sul-americana (2004, 2005, 2006, 2008 e 2009), tricampeã pan-americana da categoria (2007, 2009 e 2010) e vice-campeã da Final da Copa do Mundo (2009).
Em 2008, a pernambucana viria ser dona de mais um pioneirismo em sua vida. Tornou-se a primeira brasileira a se classificar para a final de um Campeonato Mundial de Pentatlo Moderno. Até hoje, mantém a hegemonia de ser a única pentatleta do país a competir em uma final de um Mundial na modalidade.
Dentre todos os ótimos resultados que coleciona, o ouro no Pan do Rio foi, sem dúvida, o mais significativo. Na Cidade Maravilhosa, Yane se tornou a primeira mulher brasileira a subir no lugar mais alto do pódio do Pentatlo Moderno em um Pan e o terceiro atleta brasileiro. Quebrou uma hegemonia de quase 50 anos, se juntando à galeria que consagra os pentatletas Eric Tinoco Marques, ouro em Buenos Aires 1951, e Wenceslau Malta (Chicago 1959).
“Esta medalha foi resultado de raça e de dedicação. Estou feliz por contribuir para a história do Pentatlo Moderno brasileiro. Foi muito emocionante e na hora do pódio eu estava fora de si”, ainda se emociona a pentatleta.
O ouro no Rio em 2007 a levou para os Jogos Olímpicos de Pequim, um ano depois. A pernambucana foi a única pentatleta brasileira na competição. O sonho de todo atleta de estar em uma olimpíada era vivenciado por Yane apenas quatro anos depois de iniciar sua jornada no Pentatlo Moderno.
Chegou na China com os pés no chão, ciente de que uma disputa em uma Olimpíada seria bem diferente de uma no Pan. Terminou em 18º lugar e como de costume, fez história novamente: é o melhor resultado na modalidade para o Brasil na história dos Jogos.
“Levei de Pequim a experiência e, principalmente, a superação da barreira de estar pela primeira vez em uma Olimpíada”, lembra.
Rio 2011 três anos antes
Com apenas oito anos como pentatleta, Yane Marques já se tornou o maior nome brasileiro na história do Pentatlo Moderno. O feito obtido ao alcançar vários pioneirismos foi resultado de muita dedicação e amor pela modalidade. Tamanho empenho da pernambucana desperta a atenção de instituições públicas brasileiras ligadas ao esporte.
É o caso do projeto ‘Time Brasil’ do Comitê Olímpico Brasileiro. Através dele, o COB apoia atletas com potencial de conquista de medalhas nos Jogos Olímpicos de Londres, no ano que vem, e do Rio, em 2016. A partir daí, a entidade identifica as principais necessidades desses atletas para que possa colocá-las à disposição deles.
No caso de Yane, o COB, vem realizando um trabalho de análise cinemática de movimentos, fisioterapia e biomecânica através de sua equipe de Ciências do Esporte. Além disso, a pentatleta passou a se beneficiar com intercâmbios internacionais e com a aquisição de novos materiais para competição.
"Fiquei impressionada com a grandiosidade deste projeto. É muito bem organizado e tem tudo para dar certo. Foi interessante ter contato com as intenções que o Comitê Olímpico Brasileiro tem em relação a mim e ver a quantidade de pessoas trabalhando em prol dos atletas. Isso é muito gratificante. Sinto-me ainda mais estimulada", afirmou Yane, em uma visita recente para conhecer de perto o projeto na sede do COB, no Rio de Janeiro.
Outra instituição que abraçou a pentatleta pernambucana foi o Exército Brasileiro. Em 2008, as forças armadas abriram editais de seleção de atletas olímpicos para incorporá-los à instituição de olho nos Jogos Mundiais Militares, em 2011.
Yane participou do processo de seleção e foi aprovada. Desde então, ela detém a patente de Terceiro Sargento pela Comissão de Desportos do Exército no Rio de Janeiro (CDE-RJ). De lá pra cá, a pentatleta se reveza entre os treinamentos em Recife e na capital fluminense. Somando as viagens para competições – e em 2011 elas foram muitas – o tempo que passa longe de casa não é pequeno.
“Já perdi o casamento da minha irmã, o nascimento do meu sobrinho… aniversários, então meu Deus. Não sei quantos”, relata.
Mas todo o sacrifício de ficar afastada da família foi devidamente recompensado. Nos Jogos Rio 2011, a pernambucana contribuiu para que o Pentatlo Moderno brasileiro fizesse a sua melhor participação em um Mundial militar.
Na Cidade Maravilhosa, Yane subiu no pódio em todas as três disputas que participou. Foi ouro por equipes, ao lado de Larissa Lellys e de Priscila Oliveira, prata individual, e bronze no revezamento misto, com Luis Magno. Mais três medalhas para sua vasta coleção. No pódio por equipes, as meninas brasileiras ecoaram: “Brasil, acima de tudo!”.
“Foi uma competição de altíssimo nível, com medalhista olímpica e campeã mundial. Foi um trabalho muito forte e sacrificante. Fiquei longe de casa, mas depois de um resultado desse, valeu a pena”, finaliza.
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